Em primeira instância, preciso dizer que este texto foi inspirado por um ótimo documentário lançado em 2016 e dirigido por Matt D’Avella: “Minimalism: A Documentary About the Important Things” (Minimalismo: Um Documentário Sobre as Coisas Importantes). O documentário possui pouco mais de uma hora de duração e apresenta as ideias com uma linguagem simples e uma agradável trilha sonora. Contudo, nos leva a pensar sobre o nosso próprio consumo; podemos até questionar se, ao comprar algo, estamos consumindo ou sendo consumidos. Outra inspiração para este artigo foi uma entrevista de Jose Mujica (ex-presidente do Uruguai) no documentário “HUMAN,” também lançado em 2016. Nela, Pepe Mujica fala sobre sobriedade e consumismo.
No artigo “O prazer do desapego: minimalistas defendem que ter menos coisas cria mais liberdade,” de Laís Modelli, disponível no site da BBC, a autora explica o termo.
A palavra “minimalismo” surgiu de movimentos artísticos do século 20 que seguiam o preceito do uso de poucos elementos visuais e, aos poucos, migrou para o campo social.
“Enquanto expressão comportamental da sociedade, o minimalismo é um reflexo de movimentos contraculturais anteriores, como o punk e o hippie, que questionaram a sociedade de consumo e seus excessos”, explica o pesquisador em cultura e comunicação Marcelo Vinagre Mocarzel, professor da Universidade Federal Fluminense.
Diferentemente dos contraculturais, os minimalistas não buscam construir uma sociedade alternativa. “Os minimalistas têm buscado combater o consumismo por dentro do sistema. Isso quer dizer que eles trabalham, se vestem normalmente e até consomem.”
“Em certa medida, os minimalistas se aproximam mais dos capitalistas clássicos descritos por Max Weber: capitalismo não é o problema para eles, mas sim esse capitalismo selvagem ancorado na ostentação e no desperdício”, aponta.
Estando esclarecido o significado da palavra, podemos continuar. Muitas partes de nossas vidas são vividas de forma automática, passamos o tempo todo buscando e nunca nos satisfazemos verdadeiramente. Muitas pessoas se sentem vazias e tentam preencher esse vazio com coisas, consumindo ou sendo consumidas.
Ao mesmo tempo que vivemos os melhores padrões de vida da história, existe uma busca insaciável por mais. Esse desejo talvez seja natural, mas nos dias atuais, não é mais tão necessário; não vivemos mais em meio à natureza selvagem. Estamos programados para viver em um ambiente, porém vivemos em outro muito diferente.
A cultura estadunidense também nos cega de certa forma, com uma ilusão de como nossas vidas deveriam ser: perfeitas e irreais. Apesar de termos uma cultura própria e bastante diferente da estadunidense, importamos muito da nossa cultura de massa dos EUA; filmes, séries, músicas e livros consumidos no Brasil são, em grande parte, originários dos Estados Unidos. Isso pode gerar muita insatisfação: além de não termos o mesmo poder de compra dos cidadãos americanos, tentar viver assim pode causar sérios danos, e a maioria de nós não vê uma alternativa de vida, exceto aquela que somos diariamente, incessantemente, estimulados a viver. As pessoas precisam saber que têm opção, que não precisam viver dessa maneira.
O minimalismo é uma alternativa, uma das formas de fugir da loucura, dos excessos, de tudo o que não acrescenta. Viver mais deliberadamente com menos é um objetivo nobre. Nós vivemos em um mundo no qual somos tratados como mercadorias. Existimos para sermos consumidos.
As casas gigantes que muitos têm hoje e os que não têm sonham possuir não são utilizadas; apenas uma pequena parte do espaço é usado, algo em torno de 40%. O mesmo vale para o guarda-roupa cheio de peças que raramente são tocadas pela luz do sol. De um ponto de vista radical, o simples fato de termos casas maiores do que precisamos já gera vários problemas, além dos custos privados de depreciação e o custo de oportunidade de se gastar com algo que não é necessário e não acrescenta nada à nossa vida; existe ainda o enorme custo que é socializado, o custo logístico, de pessoas morando cada vez mais distantes de seus locais de trabalho, gerando cada vez mais demandas por automóveis, ineficiências energéticas, gasto de tempo, tudo isso porque é um mal dos comuns; cada um querer uma casa grande. Se utilizando somente o espaço necessário, por exemplo, conseguíssemos diminuir as distâncias em 25%, teríamos 25% menos perdas de combustíveis, tempo de deslocamento, energia nas linhas de transmissão e alta tensão e também nas redes de saneamento. Imagine se isso gerasse uma redução de 10% nas suas faturas, além de muito sustentável, seria uma economia tremenda, um ganho enorme de eficiência que não diminuiria em nada a sua qualidade de vida ou o lucro das companhias de energia e de saneamento. Para beneficiar alguns setores da economia, somos estimulados a consumir muito mais do que o necessário e isso faz a vida pior para a parcela da população que não tem ações ou quotas das empresas e precisam trabalhar para adquirir renda.
Às vezes, é bom pensar antes de consumir, assim podemos diminuir os nossos próprios gastos e também as externalidades negativas que geramos. Consumir é também um ato político. E consumir com consciência e bom senso é votar no melhor candidato sempre. Todo o poder emana do povo, que muitas vezes o exerce entregando-o a alguém que está prejudicando a sociedade como um todo.
Nós não vamos sempre tomar decisões ótimas, mas podemos tomar decisões muito melhores do que as que tomamos atualmente. Não é fácil ler isso, mas nós somos irresponsáveis. Muito irresponsáveis. Além disso, segundo Forrest Gump, idiota é aquele que faz idiotices, e por essa definição podemos nos considerar idiotas. A vantagem de nos enxergarmos assim é perceber que podemos nos tornar melhores, com uma simples mudança de comportamento, diminuindo a quantidade de idiotices que fazemos.
Na economia, a monotonicidade implica que é preferível mais a menos. Isso pode não parecer muito racional, mas comprar menos a mais, dentro da perspectiva do minimalismo, faz sentido. Ter mais de qualquer bem nem sempre é melhor, porque isso pode gerar custos desnecessários. Um custo que não gera satisfação de necessidade é um trade-off que não faz sentido. Se eu comprar produtos melhores e com durabilidades maiores, posso comprar menos produtos. E como o valor é mais alto, o preço também é, assim as corporações poderiam continuar com seu lucro, os funcionários com seus empregos, e os clientes com seus produtos (em menor quantidade e com maior qualidade). Algumas empresas já fazem isso: vendem produtos de alta durabilidade e performance, e são muito bem sucedidas com esse modelo de negócio.
Com uma economia cada vez mais ofertante e dependente de serviços, pode-se ainda incentivar o conserto de bens em vez de o descarte e substituição por novos produtos, o que também manteria uma fonte de receita para as empresas. Nós precisamos mudar nossas demandas e, assim, incentivar que as firmas mudem suas ofertas.
A economia, de forma simples, é a ciência da alocação de recursos escassos. Podemos fazer alocações muito mais eficientes e dedicar muito mais recursos para pesquisa e desenvolvimento; basta tomar melhores decisões.
Com o minimalismo, podemos ter mais progresso em menos tempo. Imagine transformar 10% dos gastos com produtos supérfluos em pesquisa e desenvolvimento nas áreas de saúde, energia, educação, inteligência artificial, entre outras. Nós poderíamos construir um mundo muito melhor do que o atual, poderíamos erradicar a pobreza e a fome na Terra ou até mesmo conquistar outros corpos no universo, tudo isso simplesmente tomando decisões mais inteligentes.
Gustavo Cerbasi define salário não como renda, mas como uma indenização, seguindo a interpretação de que trabalhar rouba tempo do trabalhador, tempo que poderia dedicar a investimentos pessoais, prejudicando consequentemente o aumento de sua riqueza. O fruto do nosso trabalho pode ser muito mais saboroso. Uma vida cheia de avareza certamente é um caminho para a infelicidade e insatisfação, mas uma vida frugal não. Uma vida frugal pode ser um caminho para uma vida muito satisfatória e livre.
Imagine uma vida com menos – menos estresse, menos insatisfação, menos dívidas, uma vida com menos distrações. Agora imagine uma vida com mais – mais tempo, mais relações significativas, mais crescimento, mais contribuição e contentamento. Nós somos muito materialistas, no sentido coloquial da palavra, mas no sentido real, somos pouco materialistas, pois descartamos muito material, tratamos o resultado de muito trabalho como lixo. Jogamos fora trabalho humano todos os dias, o nosso e o do próximo. Isso por si só não é um problema, não é necessariamente ruim, mas jogar tanto trabalho humano no lixo, sem nenhuma necessidade, parece antiético e muito cruel.
No documentário, duas citações são particularmente marcantes:
“Você pensa que mais dinheiro te dará mais segurança. O problema é que você não necessariamente tem o controle sobre ganhar mais. Uma coisa que você tem controle é de gastar menos. Você tem o controle de ter menos, e por ter menos, você automaticamente usa melhor o que tem.”
“Porque não acho que há algo de errado com o consumismo. O problema é o consumismo compulsório. Comprar coisas porque isso é o que você deveria fazer. É isso que a propaganda nos manda fazer. Ou isso é o modelo mágico de felicidade, e então, quando obtém, você percebe que não te torna tão feliz quanto você pensava.”
Podemos concluir que talvez devêssemos ser mais conscientes, menos idiotas, tomar decisões melhores e não entregar nossa liberdade a ninguém, pois sem ela não podemos ter mais nada.
Dado o meu gosto por citações, seguem algumas dos minimalistas – protagonistas do documentário -, do filósofo irlandês Edmund Burke, de José Mujica, do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, da autora brasileira Clarice Lispector e do autor inglês J. R. R. Tolkien. Creio que eles corroboram partes da minha perspectiva no texto acima.
“Ame pessoas. Use coisas. O contrário nunca funciona.”
The Minimalists
“A economia é uma virtude distributiva e consiste não em poupar, mas em escolher.”
Edmund Burke
“Ou você é feliz com pouco, porque a felicidade está dentro de você, ou você não consegue nada. Isso não é uma apologia da pobreza, mas da sobriedade. Só que inventamos uma sociedade de consumo, e a economia tem que crescer, porque senão acontece uma tragédia. Inventamos uma montanha de consumo supérfluo. Compra-se e descarta-se. Mas o que se gasta é tempo de vida. Porque quando você compra algo, você não paga com dinheiro. Você paga com tempo de vida que teve que gastar para ter este dinheiro. O argumento é diferente. A única coisa que não se pode comprar é a vida. A vida só se pode gastar. E é lamentável desperdiçar a vida, para perder a liberdade.”
José Mujica
Na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável.
Zygmunt Bauman
As pessoas “são aliciadas, estimuladas ou forçadas a promover uma mercadoria atraente e desejável. Para tanto, fazem o máximo possível e usam os melhores recursos que têm à disposição para aumentar o valor de mercado dos produtos que estão vendendo. E os produtos que são encorajadas a colocar no mercado, promover e vender são elas mesmas.”
Zygmunt Bauman
“Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.”
Clarice Lispector
“Tudo o que temos de decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado.”
J.R.R. Tolkien
“Se mais de nós déssemos mais valor a comida, bebida e música do que a tesouros, o mundo seria mais alegre”
J.R.R. Tolkien
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